2024

Relato da observação do Eclipse Solar Total de 08 de abril de 2024 desde Magog, Província de Quebec no Canadá, por Sérgio Schmiegelow, com Andrea Novelli e Charles Herdt


RELATO DO ECLIPSE SOLAR TOTAL

NA AMÉRICA DO NORTE EM 08/04/2024

Fonte: Sérgio Schmiegelow

Assistir a um eclipse solar total é algo magnífico e também muito raro, a não ser que se esteja disposto a viajar milhares de km.

A maior parte das pessoas consegue assistir a apenas um, ou nenhum em toda sua vida. Eu tive o privilégio de estar morando bem perto de duas totalidades em minha vida.
A primeira vez foi em 03 de novembro de 1994, no município de Lages, SC, a apenas 250 km de Florianópolis, onde eu morava na época.

Fotos: Sérgio Schmiegelow

Tive a honra de fazer parte do Grupo de Estudos de Astronomia da UFSC, que, além de prover a base científica para compreender e dar significado ao fenômeno, é formado por grandes amigos com quem tive muito prazer em conviver.

Um registro desse evento pode ser visto em: https://www.youtube.com/watch?v=BIyWUhD-ppo.

Essa fantástica experiência foi um grande motivador para o que viria a acontecer quase 30 anos depois.

T menos 6 meses

Por termos recentemente trocado de emprego, de país e de idioma, Andrea (minha esposa) e eu ficamos meio alheios às notícias de astronomia. Acabamos tomando conhecimento desse eclipse apenas em outubro de 2023.

A totalidade passaria “raspando”, por Montreal (onde moramos atualmente).

Mas uma pequena viagem de 1 hora de carro já nos colocaria no centro da totalidade.

Começamos verificando a previsão de cobertura de nuvens para essa data.

Não era muito animadora: Entre 70% e 80% de probabilidade de céu encoberto. Se fosse para valer a pena viajar, teríamos que ir para o México onde a probabilidade cairia para uns 20%.

T menos 1 mês

Começamos a nos movimentar, de fato, um tanto tarde para essa viagem, faltando apenas 1 mês para o evento.

A cidade mais interessante seria Torreón (México). A NASA tinha escolhido esta cidade para suas atividades.

Ainda havia passagens aéreas para lá, mas os hotéis estavam esgotados. Conseguimos reservar um Airbnb (um tanto suspeito) na cidade, mas as passagens aéreas, além de bastante caras, envolviam conexões complicadas e em torno de 24 horas em trânsito para o retorno a Montreal.

Tentamos outros lugares na região, como a minúscula cidade de Nueva Rosita (onde ainda havia hotel), mas a parte aérea seria idêntica e ainda somaria muitas horas de estrada.

Por fim decidimos correr o risco e tentar ver o fenômeno perto de casa mesmo.

T menos 7 dias

A semana anterior ao dia 8 foi de bastante expectativa. Após um inverno bastante anômalo em Montreal, com temperaturas amenas e a quase total ausência de Sol, o tempo começou a abrir e a previsão para o dia estava cada vez melhor.

Ainda não temos carro. Combinamos de ir com o Charles (um amigo brasileiro, colega de trabalho que mora bem perto de nós) e seus filhos.

A ideia inicial era irmos até Saint-Georges-de-Clarenceville, uma pequena cidade a menos de 1 hora de viagem, quase na linha da totalidade, a 3 km da fronteira dos EUA. Por ainda ser território canadense, evitaria a burocracia e a perda de tempo de atravessar a fronteira.

T menos 1 dia

A previsão do tempo estava perfeita. Expectativa aumentando.

T menos 06:00:00

Dia quase perfeito. Temperatura em torno de 15°C. Apenas umas poucas nuvens à SW.

(11:25) Improvisei um smartphone na janela do meu apartamento, tirando uma foto a cada 10 segundos, para posteriormente fazer um timelapse da sombra da Lua passando. Não deixei o Sol no campo da imagem para não danificar a câmera.

Infelizmente, só fui perceber depois que havia um mau contato na fonte de alimentação e o aparelho desligou muito antes do eclipse.

A ponte Samuel De Champlain, principal ligação de Montreal com a margem sul do Rio Saint Lawrence, já estava congestionada.

Saímos em torno de meio-dia e paramos em Brossard para almoçar.

A imagem de satélite mostrava que a frente de nebulosidade à WSW se aproximava. De fato, já víamos algumas nuvens fracas, quase no nosso zênite.

Decidimos ir o mais para leste possível, fugindo da nebulosidade e nos aproximando do centro da totalidade.

Logo que pegamos a Autoroute 10, encontramos um trânsito bastante lento, em torno de 30 km/h. Muita gente teve a mesma ideia.

Numa “conta de padeiro” com as imagens de satélite, estimei a velocidade das nuvens em 45km. Tínhamos um problema.

Felizmente, após alguns km, verificamos que parte da causa da lentidão era um carro parado na estrada. A partir daí, nossa velocidade aumentou para 60 – 80 km/h. Ficamos felizes em ver a nebulosidade ficando para trás.

T menos 01:10:00

Começamos a ver do carro a lua “mordendo” a borda do Sol.

T menos 00:43:00

Chegamos num posto na entrada da cidade de Magog (45.29135715167791, -72.21261861474215), aproximadamente 20 km NNW do centro da totalidade.

Já havia bastante gente lá equipada para ver e assistir ao evento.

O Sol já estava uns 25% eclipsado quando improvisei uma foto com o smartphone e um “óculos de eclipse”.

T menos 00:05:00

A escuridão já era bem impressionante. Começamos a ver Vênus e Júpiter. A temperatura caiu quase 6°C (de 16.6°C para 10.8°C).

O pessoal foi se agasalhando. E a expectativa aumentou.

T menos 00:00:00 – Totalidade!

Mesmo os canadenses não sendo o povo mais festeiro do planeta, ouvimos comemorações e suspiros quando o Sol virou uma bola negra circundada por uma coroa brilhante!

Mesmo a olho nu, foi possível ver diversas proeminências solares.

Charles colocou um drone estacionário a 120m de altura para registrar a passagem da sombra.

A Lua estava com o diâmetro aparente 5,35% maior do que o do Sol (33’ 38.98” vs 31’ 56.45”). Isso resultou numa totalidade com duração de 03′ 30″. Me preparei com um planejamento de diversos tempos diferentes de exposição, para capturar diferentes aspectos do fenômeno, mas o tempo “perceptivo” foi muito menor que o tempo real.

Quando fui tirar as fotos das pessoas com o eclipse ao fundo, já estava acabando.

O final da totalidade foi coroado com um magnífico “Diamond Ring”.

A Estação Espacial Internacional nos fotografou bem nesse momento.

A Andrea fez uma interessante composição de duas fotos na mesma direção, separadas por 7 minutos:

15:23 (94,5% de ocultação)
ISO 32, 1/124”

15:30 (Durante a totalidade)
ISO 500, 30”

Fotos: Andrea Novelli

No entanto, a máquina fotográfica compensou automaticamente o tempo de exposição e a sensibilidade.

Para simular a foto da totalidade com as mesmas condições de captura da anterior, teria-se que reduzir seu brilho em 64,5 vezes e ficaria algo como:

Fotos: Andrea Novelli

Fizemos um lanche e pegamos mais um trânsito lento no retorno a Montreal.

EPÍLOGO

É inevitável comparar os dois eclipses (1994 e 2024).

Tecnicamente falando, o primeiro tinha uma atividade solar mais intensa. Ambos tinham Júpiter e Vênus muito próximos. No geral, foram bem semelhantes.

Por outro lado, comparar a experiências sensoriais não é uma tarefa simples pois, tanto o fenômeno quanto o observador eram diferentes. Mesmo sendo “oficialmente” a mesma pessoa, se passaram 30 anos. 3 décadas de vida mudam muito qualquer pessoa. Parte da empolgação se torna um vislumbre mais sereno, mas a experiência adquire mais significado. Se observa mais o ambiente, as reações das pessoas e da natureza.

Acho que o maior legado de ambos os eventos é a admiração pela beleza do Universo e pela ciência que a humanidade desenvolveu, tanto para prever fenômenos como esse com altíssima precisão quanto para prover a tecnologia para registrá-lo.

(48) 9 9932 3650

gea.cfh@contato.ufsc.br